Guardado está o bocado






Paris (França), Junho de 2005 (a primeira, também aqui)

Em 2012, a coisa não correu bem, mas, como sempre ouvi dizer, quem porfia mata caça.

Cane morto


Lisboa, Julho de 2017

Dois trabalhos do colectivo italiano Cane Morto, de passagem por Lisboa, em 2014. Já avistei vários, mas ainda só consegui apanhar o primeiro, em Alfama, e o segundo, da janela do comboio, ao chegar à Gare do Oriente.


Lisboa, Setembro de 2017

#TBT: Amadora, Fonte dos Passarinhos



A minha infância foi marcada pelas faltas. Ele era a falta do leite, que levava a racionamentos e longas filas à porta dos postos de abastecimento. A minha mãe deixava-nos a dormir e ia, de madrugada, para a bicha, à espera que abrissem o estabelecimento e lhe concedessem o pacote diário de meio litro de leite pasteurizado. E ainda ia a correr até ao posto seguinte, onde poderia, com sorte, conseguir mais outro desses pacotinhos plásticos de má memória. Tínhamos sorte, apesar de acordarmos sozinhos em casa: muitas mães tiravam os filhos da cama e levavam-nos com elas, cuidadosamente dispersos pelo meio da fila, para não chamarem a atenção, e assim conseguiam mais pacotes.
Ele era a falta do bacalhau e das batatas. Ele era os constantes apagões eléctricos, de uma rede que não estava dimensionada para uma tão rápida urbanização. Nessas alturas, íamos para a janela, ver se os outros bairros também estavam às escuras, e esperar, até que as luzes se começassem a acender, uma a uma. Quando a falha se prolongava, acabávamos a jantar à luz do candeeiro a petróleo, que comprávamos no carvoeiro ou na drogaria do Sr. Rogério. Tínhamos sempre um frasco de reserva, daquele líquido cor-de-rosa, brilhante e translúcido, e muitas velas de estearina.
Ele era a televisão que se apagava, de repente, e nos deixava a olhar para o écran, à espera que aparecesse a fatídica inscrição "Pedimos desculpa por esta interrupção. O programa segue dentro de momentos". Nós, as crianças, exasperávamos, porque sabíamos que esses momentos podiam durar todo o serão, mas os adultos suspiravam de alívio: "É de lá". Menos uma despesa no horizonte. Sim, que não eram todas as famílias que tinham um aparelho que recebesse VHF e UHF, e eram bem caros. Ainda me lembro dos vizinhos que só apanhavam o primeiro canal.
Ele era as frequentes rupturas nas condutas de água que nos deixavam sem pinga nas torneiras. Em geral, tínhamos vasilhas de reserva, mas, quando éramos apanhados desprevenidos, íamos, armados de garrafões (de vidro, com revestimento de plástico branco ou empalhados), para a bicha da fonte do bairro, aquela que, mais tarde, emprestou o nome à primitiva Rua Projectada à Avenida Marechal Carmona.




Amadora, Agosto de 2011

Há tempos, encontrei, na Internet, a fotografia do topo, mas não reconheci a fonte, de que só me lembro que tinha uma bica que brotava de uma parede, junto ao ramal de São Brás do Aqueduto das Águas Livres. Todos me garantem que é mesmo ela, até o meu irmão, mais novo, pelo que deve ser. Desapareceu, já nem sei quando, talvez na mesma altura que o bairro da Ribeira da Falagueira, que já a tinha engolido, no tempo em que o reforço da rede de abastecimento a tornara obsoleta.

Ao vento (2)


Avis, Novembro de 2016


Galegos (Marvão), Maio de 2017




Portalegre, Maio de 2017


Alegrete (Portalegre), Maio de 2017


Castelo Branco, Junho de 2017


Altura (Castro Marim), Agosto de 2017


Castro Marim, Agosto de 2017

Ciclicidade








Portalegre, Setembro de 2017

Este ano, as minhas meninas voltaram, timidamente, para encerrarem o meu Verão. Os pássaros começaram a agrupar, em retirada, e toda uma paleta de rosas regressou para colorir o céu. Parece que ainda há pouco era tudo mar.

Avistamentos (2)








Olhão, Setembro de 2017

Andava, há uns dois anos, para apanhar umas amostras da arte urbana de Olhão. Este mês, agarrei estas, em andamento.

#TBT: Amadora, Pão de Açúcar


Venda Nova, Amadora, 1972

Esta foto não é minha, encontrei-a, já nem sei onde nem quando, e guardei-a na caixa das recordações do tempo que já lá vai. A única referência que mantive da localização original foi a data, 1972, que coincide com o ano da inauguração da primeira grande superfície comercial da Amadora, que só teve rival à altura em 1987, se não estou em erro, quando abriu o hipermercado Continente.
À época, era uma grande novidade. O meu bairro, o Bairro Novo, era bem servido de comércio, mas de tipo tradicional: entre a então Avenida Marechal Carmona e as ruas adjacentes, havia, se a memória não me falha, a peixaria da Maria de Jesus, a drogaria do Rogério, a mercearia do Antunes, o lugar do António (vendia fruta, legumes, ovos e galinhas, que criava na casa de banho, onde também as matava, para quem não as queria levar vivas), a padaria da Menina Luísa, a taberna do David (que tinha, em anexo, uma carvoaria), a retrosaria de uma viúva e da filha solteirona, cujos nomes não recordo, o talho do Evaristo, a farmácia da D. Maria José, a funcionária sisuda, a mercearia do Artur, que tinha grandes barris de comida para animais, onde eu me entretinha a enfiar os dedos, tal qual a Amélie, e, sobre o balcão, uma guilhotina para cortar bacalhau. Eu, que adorava experimentar a comida para animais, punha a dentição em risco com o milho para as galinhas e tinha uma especial predilecção pela ração para coelhos, aquela amálgama cinzenta em pequenos cilindros, cujo sabor voltei a apreciar mais tarde, quando o desejo de uma alimentação saudável me levou a apostar nos cereais à base de farelo de trigo.
Um dia, um antigo marçano do velho Antunes, jovem e empreendedor, comprou-lhe a mercearia e chegou a acordo com o Artur: ligou as duas lojas e abriu o primeiro supermercado do bairro, que viria a ser um de vários de uma cadeia que se espalhava pelos subúrbios lisboetas. Só na Amadora, conheci dois, um perto da minha casa, outro perto da da minha tia. Ainda mais perto de mim, abriu, não me lembro se um pouco antes se um pouco depois, um minimercado, preferido pela minha mãe, quer pela proximidade, quer pelos preços mais atractivos.
Já a minha tia frequentava os dois que lhe ficavam na vizinhança: o supermercado do Bairro do Bosque e o Pão de Açúcar da Venda Nova. O meu tio aproveitava também a lavagem de automóveis automática, outra inovação na zona.
A minha mãe ia mais esporadicamente ao Pão de Açúcar, por ser distante e careiro. Mas, às vezes, lá me arrastava para aquele fim de mundo, longe, muito longe, entre fábricas e laboratórios farmacêuticos, quase às Portas de Benfica. Pior, só mesmo quando me levava a acompanhar a vizinha devota na sua peregrinação anual ao jazigo do Santo Padre Cruz, no Cemitério de Benfica. Ou mais tarde, quando a curiosidade nos levou ao Continente, como sempre, a pé.
Com o tempo, fui perdendo o rasto ao Pão de Açúcar da Venda Nova, onde há muitos anos não entro. De cada vez que lhe passava à frente, via um letreiro novo: lembro-me de ter sido Feira Nova, depois Pingo Doce, que creio que ainda é.
Não guardo muitas lembranças do Pão de Açúcar, para além do facto de ser uma loja muito grande onde havia de tudo (até livros, que os miúdos gastavam de tanto ler) e das bolas com os números das caixas. A melhor recordação que tenho é a do concerto de Cesária Évora, no final dos anos 90, no parque de estacionamento: famílias inteiras de origem cabo-verdiana, dos avós aos netos, a viverem intensamente aquele momento de África em Portugal. E a diva, sempre diva, descalça, a dominar o palco como se fosse a sua casa, com a cadeira, a mesinha, o candeeiro, o copo e a garrafa, e a voz. E a condescendência com que aceitou o ramo de flores com que o Presidente da Câmara a quis homenagear. Foi um grande espectáculo.

É ser mais alto
















Amadora, Setembro de 2017

Sou do tempo em que não havia festivais de Verão (Vilar de Mouros era muito longe, não contava) e os espectáculos musicais eram muito caros, muito distantes (o Dramático de Cascais não ficava ao virar da esquina), ou muito interditos pela autoridade parental (ou as três razões em simultâneo). Por isso, e se excluir as actuações das bandas de garagem do meu irmão e dos meus colegas de turma, a minha experiência adolescente com a música ao vivo ficou estreitamente ligada aos concertos patrocinados pela Câmara Municipal da Amadora, por altura das festas da cidade.
Foi assim que nunca entrei no Pavilhão do Dramático de Cascais, só fui uma vez ao Rock Rendez-Vous, ver já nem me lembro o quê, e outra ao Estádio José Alvalade, ver o David Bowie, em 1990 -- e foi esta a minha curta relação com as "30 salas de concertos portuguesas com história que entretanto desapareceram".
Festivais de Verão é uma expressão que tem para mim um significado diferente, e o único dos mais habitualmente referidos em que pus os pés foi o segundo Super Bock Super Rock, no Passeio Marítimo de Alcântara, em 1996, para ver o David Bowie. Antes de abrirem os portões aos estudantes, para compor um público que teimava em não aparecer, meteu-me o meu primo lá dentro, com o passe de um amigo dele para acesso aos bastidores. Ouvi muitas críticas a esse concerto, mas, para mim, foi bestial poder ver o Bowie à pala! Sou bem mais crítica, quando tenho de pagar e me sinto mal servida, como já me aconteceu no Pavilhão Atlântico (ainda alguém lhe chama assim?), que tinha uma acústica horrível (ainda tem?), ou mesmo este ano, em Oeiras, no EDP Cool Jazz.
Mas isso agora não interessa nada, porque eu estava a falar era de espectáculos de entrada livre, e desses vi muitos. Lembro-me de alguns, esqueci outros, mas sem a revolta de me ter sentido assaltada na bilheteira. É por isso que gosto desse tipo de concertos: chego quando quero, vou-me embora quando estou farta, e é tudo ganho.
De entre os mais marcantes, os primeiros de que me lembro foram Rádio Macau, em 1986, se não estou em erro, e Rui Veloso, em 1990, ambos no Parque Central. Depois, na segunda metade dos anos 90, memorável, Cesária Évora, no estacionamento daquele supermercado, na Venda Nova, que eu conheci como Pão de Açúcar e vi mudar de nome muitas vezes.
Pelo país fora, Xutos & Pontapés, em Coruche, e Sérgio Godinho, na Glória do Ribatejo. Revi Sérgio Godinho, anos depois, em Portalegre, mas nada que se compare ao que foi o espectáculo da Glória ("Se a Fernanda Ribeiro consegue, também eu hei-de conseguir", isto ao fim de umas duas horas e uns três encores, embalados pela efeméride do dia). E Mariza, em Albufeira, e GNR, em Viseu (dessa vez, tive de pagar pela entrada no recinto das festas, um valor quase simbólico, que ainda nos proporcionou lugares sentados na esplanada do Tó-Zé das farturas). E houve muitos outros, eu sei, mas já se me varreram.
Este ano (de eleições, como deveriam ser todos), a C.M.A. trouxe-nos Trovante, que eu já não esperava ver. E foi casa cheia, no Parque Central, cheio de jovens grisalhos, a cantarem entusiasmados. Repertório completo e uns pozinhos de Zeca Afonso, Fausto e Adriano Correia de Oliveira, com muita conversa à mistura. Os vivas e aplausos a cada referência ao Zeca fizeram-me sentir de novo na minha velha Amadora operária e comunista. E descobri que, ao fim de tantos anos, ainda me lembrava das letras. Foi um grande espectáculo.

Ao vento




Porto da Palha (Lezirão, Azambuja), Agosto de 2017


Valada (Cartaxo), Agosto de 2017


Vila Nogueira de Azeitão (Azeitão, Setúbal), Agosto de 2017








Lisboa, Julho de 2017 (o último, também aqui)


Amadora, Fevereiro de 2017

Novos e menos novos, que alguns já por aqui andaram, nem sei bem onde, mas não resisti à pose.